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Onda de golpes bancários abala estabilidade financeira de vítimas em Brasília

Em uma tarde de quarta-feira, por volta das 13h30, no mês de outubro de 2023, em Brasília, a professora aposentada Maria Zélia*, de 76 anos, viu sua vida financeira desmoronar quando atendeu a uma ligação de um número de telefone que ela reconhecia como pertencente ao banco onde mantinha sua conta há duas décadas. Do outro lado da linha, alguém que se identificou como gerente bancário, alegando suspeita de atividade fraudulenta em sua conta.

O suposto gerente questionou Maria Zélia sobre transferências eletrônicas para um destinatário desconhecido, compras em um supermercado que ela jamais frequentara, no valor de R$ 4.350, e um saque considerável de R$ 4.900. Negando qualquer envolvimento nas operações, Maria Zélia foi orientada a se dirigir a uma agência bancária no Núcleo Bandeirante, a quase 18 quilômetros de sua residência, para verificar seus cartões de crédito e débito, além de seu celular. O suposto gerente alegou que precisava verificar se seu dispositivo havia sido acessado remotamente.

Dificultada por questões de mobilidade, Maria Zélia informou que não poderia se deslocar. O suposto gerente se ofereceu para enviar um funcionário para coletar seus cartões e telefone, com a promessa de que tudo seria entregue em um envelope e de que o dispositivo retornaria uma hora após a verificação, com a instalação de um antivírus.

Por volta das 14 horas, um funcionário enviado pelo golpista apareceu no edifício de Maria Zélia. Embora inicialmente apenas pretendesse entregar seus cartões, ela acabou convencida a entregar também seu celular ao fraudador.

Uma hora depois, sem receber qualquer retorno da ligação prometida, Maria Zélia começou a suspeitar que havia caído em um golpe. Imediatamente, ela ligou para o canal oficial do banco para bloquear seus cartões e o aplicativo da instituição financeira. No entanto, além desse banco, Maria Zélia também mantinha o aplicativo de outro banco em seu celular, por meio do qual recebia sua aposentadoria. Neste caso, as atendentes da segunda instituição não puderam interromper as operações fraudulentas.

Esse golpe resultou em um prejuízo total de R$ 180 mil para Maria Zélia, incluindo transferências via PIX, saques não autorizados, compras realizadas com os cartões e empréstimos consignados concedidos pelos bancos, todos desviados pelos criminosos.

Esse tipo de fraude é lamentavelmente comum, de acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban).

Apesar de ter entregue seus cartões e celular nas mãos dos golpistas, Maria Zélia não forneceu suas senhas de segurança. No entanto, isso não impediu que ocorressem movimentações financeiras sem que os bancos fossem alertados.

Seu filho, Antônio Pereira*, um publicitário e empresário, enfatiza: “Nenhum alerta foi acionado pela inteligência dos bancos, nada incomum foi detectado, nada foi feito. Eles levaram tudo, e ainda mais, prejudicando a saúde mental e emocional de minha mãe.”

A confiança dos clientes que sempre acreditaram na segurança das instituições financeiras está sendo abalada por uma onda de golpes de todas as naturezas, como destaca Pereira.

A reportagem buscou obter informações diretamente do Banco Central e levantar dados sobre a frequência desses crimes, mas a autarquia respondeu por e-mail que não era de sua competência. “As autoridades de segurança pública são responsáveis por atender à sua solicitação.”

Walter Faria, diretor adjunto de Operações da Febraban, informou à Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados que “em 2022, a Polícia Federal, em parceria com o sistema financeiro, realizou mais de 50 operações de combate a fraudes eletrônicas, resultando em mais de 100 prisões preventivas e mais de 60 prisões temporárias.” No entanto, a Polícia Federal não respondeu aos pedidos de informações sobre esses crimes à Agência Brasil.

Dados coletados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública junto às secretarias estaduais de Segurança indicam mais de 200 mil ocorrências de estelionato eletrônico, embora esses números não incluam seis estados (Bahia, Ceará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo).

Uma pesquisa realizada para a Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) em parceria com o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) revelou que 7,2 milhões de consumidores foram vítimas de alguma fraude em instituições financeiras nos 12 meses anteriores ao levantamento, realizado no final de julho e início de agosto de 2023. Isso representa uma redução em relação aos 8,4 milhões de consumidores afetados no ano anterior, de acordo com a pesquisa de 2022.

Esses números projetados superam a população da cidade do Rio de Janeiro, que possui 6,2 milhões de habitantes, conforme o Censo Demográfico de 2022. Somando os resultados das duas pesquisas, temos um total de 15,6 milhões de consumidores prejudicados, um número significativamente superior à população da cidade mais populosa do Brasil, São Paulo, com 11,4 milhões de habitantes.

A insegurança e a perda de confiança nos bancos e instituições financeiras podem representar um desafio crítico para o setor. Belline Santana, chefe do Departamento de Supervisão Bancária do Banco Central, reconheceu que o volume de fraudes e golpes está afetando a percepção dos consumidores sobre a segurança e confiabilidade do sistema financeiro.

Ione Amorim, economista e coordenadora de Projetos do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), alerta para as falhas de segurança e confiabilidade do sistema financeiro, afirmando que essas questões podem prejudicar a evolução das transações monetárias digitais, inclusive em relação ao projeto de moeda digital do Banco Central, o Drex.

O promotor de Justiça do Estado de Minas Gerais, Glauber Tatagiba, destaca que os golpes bancários são o “principal problema na área financeira do Brasil”. Tatagiba, que coordena o Procon/MG, ressalta que os bancos comerciais foram o assunto mais reclamado e as falhas bancárias e transferências indevidas foram os problemas mais relatados em 2023 no Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec).

O aumento das fraudes eletrônicas é um reflexo da digitalização de várias atividades cotidianas, especialmente durante a pandemia de COVID-19 em 2020 e 2021, como explicou Walter Faria da Febraban. Ele destacou que “o crime migrou junto com a pandemia” para o ambiente digital, com oito em cada dez transações agora sendo realizadas de forma totalmente eletrônica. Isso exigiu investimentos significativos no sistema financeiro para aumentar a segurança e prevenir fraudes, com R$ 35 bilhões investidos em tecnologia em 2022, incluindo R$ 3,5 bilhões especificamente destinados à prevenção de fraudes e segurança bancária.

Apesar dos esforços e investimentos realizados pelos bancos nos últimos anos para proteger seus clientes e sistemas digitais, as vítimas continuam a enfrentar as consequências desses golpes. Marília de Ávila e Silva Sampaio, magistrada titular da 2ª Turma Recursal do Juizado Especial do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT), reconhece os investimentos dos bancos, mas enfatiza que os crimes estão à frente das medidas de segurança. Ela destaca que os gastos com proteção não eximem as instituições de sua responsabilidade, citando a Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que coloca a responsabilidade sobre as instituições financeiras pelos danos causados por fraudes e delitos de terceiros nas operações bancárias.

Em última análise, a confiança dos clientes nas instituições financeiras é essencial para o funcionamento do sistema bancário, e os bancos devem cumprir suas obrigações para garantir a segurança e a confiabilidade dos serviços que oferecem.

Nomes fictícios usados a pedido dos entrevistados.

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