Goiânia, 15 de outubro de 2024 – Lideranças do movimento indígena criticaram a iniciativa do Ministério dos Povos Indígenas de indicar nomes para integrar a câmara de conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF), que discute a tese jurídica do marco temporal. Uma das principais entidades representativas dos povos originários, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que se retirou da comissão em agosto, manifestou-se contrária à medida. Em nota divulgada nesta segunda-feira (14), a organização expressou temor de que o espaço resulte em um processo de “desconstitucionalização” de direitos fundamentais dos povos indígenas.
Ao divulgar a lista dos indicados, o ministério enfatizou que a decisão foi tomada após a saída da Apib, atendendo ao pedido do ministro do STF, Gilmar Mendes, que solicitou ao governo, no dia 1º de outubro, a designação de representantes. O ministério esclareceu que “os nomes não substituem a representação da Apib, cuja vaga permanece aberta à organização”.
A Apib criticou as indicações, destacando que os representantes nomeados pertencem a órgãos governamentais, o que, segundo a entidade, compromete a verdadeira representação do movimento indígena. Entre os cinco nomes indicados estão: Weibe Tapeba, secretário especial de Saúde Indígena; Eunice Kerexu Yxapyry, coordenadora do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Interior Sul; Douglas Krenak, coordenador regional da Funai em Minas Gerais e Espírito Santo; Pierlangela Nascimento da Cunha, da Coordenação-Geral de Políticas Educacionais Indígenas do Ministério da Educação; e o educador Eliel Benites.
Apesar do posicionamento otimista do ministério, que expressou “confiança de que a Corte, como guardiã da Constituição, não permitirá retrocessos nos direitos indígenas”, a Apib manteve sua posição crítica. “A Apib lamenta profundamente que órgãos autônomos dos povos indígenas sejam pressionados a ocupar colegiados contra sua vontade, especialmente em espaços que não garantem o respeito às decisões já tomadas pelo STF, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal em setembro de 2023”, afirmou a entidade.
A Apib também reforçou que o “Estado paternalista e autoritário” foi superado pela Constituição Federal de 1988, que reconheceu o direito dos povos indígenas de serem protagonistas de suas próprias decisões e destinos. “Reivindicamos que os poderes do Estado respeitem nossas decisões autônomas”, acrescentou.
Outras entidades, como o Conselho Indígena de Roraima (CIR), que representa diversos povos indígenas, também se posicionaram contra as indicações do ministério, afirmando que a nomeação alinha o ministério com interesses de fazendeiros, garimpeiros e do agronegócio. O CIR destacou que o STF ainda não tomou medidas urgentes, como a suspensão da Lei nº 14.701/2023, que, segundo eles, ameaça gravemente os territórios e modos de vida indígenas.
O vice-presidente da Associação de Jovens Indígenas Pataxó, Emerson Pataxó, também expressou sua insatisfação, classificando a decisão do ministério como um “atentado à autonomia do movimento indígena e um desrespeito sem medida contra a Apib”.
Análise Crítica
A nomeação de representantes governamentais para a câmara de conciliação do STF, em substituição à Apib, evidencia o quanto o movimento indígena ainda enfrenta desafios para assegurar sua autonomia nas esferas decisórias. A desconfiança dos povos originários em relação ao Estado e ao Judiciário é compreensível, dada a histórica marginalização e as tentativas de imposição de políticas que ignoram suas demandas legítimas. A rejeição por parte da Apib e outras entidades indígenas reflete um receio genuíno de que tais espaços institucionais possam minar a luta pelos direitos já conquistados, como foi o caso da vitória contra o marco temporal. O futuro dessas negociações demandará, necessariamente, um diálogo mais transparente e inclusivo, que reconheça a centralidade dos próprios indígenas nas decisões que afetam suas terras e vidas.